Especialistas ouvidos pelo Valor apontam que a indefinição sobre qual será a alíquota do IVA, especulada em 25%, pode ter efeitos díspares nos vários setores da economia. A proposta da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados na madrugada de sexta-feira (7) ajudará grandes empresas de capital aberto a reduzir custos administrativos ao simplificar o arcabouço de impostos no Brasil. No entanto, alguns setores podem ver aumento significativo na carga a ser paga.
A reforma muda o modelo de tributação do país para o imposto sobre o valor agregado (IVA) ao substituir cinco tributos federais e estaduais atuais pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando PIS, Cofins e IPI e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que junta ICMS e ISS.
O novo sistema também implementa o princípio da não cumulatividade, no qual operações que compõem uma mesma cadeia produtiva são tributadas apenas uma vez. Especialistas ouvidos pelo Valor apontam que a indefinição sobre qual será a alíquota do IVA, especulada em 25%, pode ter efeitos díspares nos vários setores da economia.
“Quem hoje tem uma alíquota acumulada acima de 25% vai se beneficiar do novo modelo tributário — como é normalmente o caso de companhias que têm um uso mais intensivo de capital, como as indústrias, diferentemente de empresas de serviços”, diz Edison Fernandes, advogado e coordenador da comissão da reforma tributária da Apimec Brasil, a associação dos analistas de investimentos.
Pressão inflacionária:
As empresas de serviços, que têm mais custos com mão de obra do que com atividade, além de ter mais acesso a benefícios fiscais — que serão extintos até 2032 — devem sentir um aumento na carga tributária, pelo menos no curto prazo, diz Fernandes.
“O governo vai precisar ter muito manejo para evitar uma pressão inflacionária com esse aumento na carga tributária”, diz Rafael Barreto, contador da Quality Tax, empresa que oferece serviços de consultoria tributária. “As empresas mais impactadas vão repassar esse aumento nos custos aos clientes.”
Para ele, a proposta aprovada enfatiza demasiadamente os tributos sobre o consumo, enquanto os tributos diretos, como Imposto de Renda e Contribuição Social, não recebem a devida atenção, o que resulta em uma disparidade de recolhimento. “Empresas maiores, com mais recursos, vão continuar com uma carga tributária menor.”
Marcus Vinicius Gonçalves, sócio líder da área tributária da KPMG Brasil, projeta que o setor industrial e produtivo tendem a ter uma neutralidade ou até mesmo redução da carga; outros, como o de serviços, transporte aéreo de passageiros e economia digital, poderão ter um aumento de carga tributária.
“Devemos ainda ter em mente que o impacto real da reforma tributária aprovada não é conhecido, por essa razão há um período de transição muito longo”, diz. O lado positivo, na visão de Gonçalves, é que a reforma de fato reduz parte da complexidade tributária e reduz o “custo Brasil”, mesmo tendo divergido do projeto original.
Redução de disputas:
“Hoje a estrutura para atender às exigências do sistema tributário é fonte de grande parte das despesas das companhias, e a tendência com a reforma é ter uma redução por conta dessa simplificação”, diz Genildo Rosales, sócio da Quality Tax. Esses efeitos, no entanto, não devem compensar uma possível alta na carga.
Para Maurício Barros, advogado e sócio da área tributária do Demarest, é difícil mensurar o impacto que a reforma tributária terá nas empresas antes da aprovação em definitivo pelo Senado Federal, o que deve acontecer em algum momento do segundo semestre, e das leis complementares que regulam os dispositivos da proposta.
“Se a legislação vier coesa, há uma tendência de redução no contencioso tributário, uma fonte de despesas grande para as companhias de capital aberto”, afirma. O advogado destaca que hoje muito dos processos são relacionados a créditos de ICMS, PIS e Cofins que deixariam de existir.
O foco da reforma em setores e produtos, no entanto, pode abrir uma nova linha de disputas judiciais para enquadramento. Barros nota que empresas de telecomunicações e energia elétrica, considerados serviços essenciais, podem ser tributados sobre o imposto seletivo, o que desafia entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na visão da Apimec, o saldo do que foi aprovado é positivo e deve melhorar o ambiente de investimentos no Brasil. “Dentro do que era possível ser aprovado, foi bom”, aponta Edison Fernandes. Ele destaca que as discussões no Senado Federal nos próximos meses serão importantes para olhar as “pontas soltas” do projeto deixadas pela Câmara.
O coordenador da comissão da reforma tributária da Apimec acredita que será importante para as empresas divulgarem, assim que a reforma for implementada, quais são os impactos que as mudanças terão no dia a dia de divulgação de resultados para assim dar clareza aos agentes de mercado sobre as vantagens e desvantagens que o texto trouxe.
Apesar do tempo longo que terão para implementação do novo sistema tributário, Barreto, da Quality Tax, diz que alguns clientes já congelaram projetos e investimentos voltados ao planejamento tributário até saber como será a reforma final.
Simplifica, mas não muito:
Gonçalves, da KPMG Brasil, lamenta que a proposta aprovada tenha fugido do projeto original que buscava uma grande simplificação, o que permitiria a modernização do sistema tributário atual e eliminação de gargalos que impedem investimentos e eficiência operacional das companhia.
“A multiplicidade de alíquotas e regimes se assemelha ao regime atual e resulta em complexidade para os negócios”, diz. Ele nota que além do sistema com o CBS e IBS, alguns setores ainda terão incidência do imposto seletivo, além da aprovação de alíquotas diferenciadas.
Um tema que ficou à margem das discussões dos últimos dia foi a tributação de dividendos e a extinção de juros sobre capital próprio. Apesar de não constar no texto aprovado pela Câmara, a emenda aglutinativa pede que o Executivo envie, em até 180 dias após a promulgação da reforma, projeto para modificar a tributação da renda.
“Foi a decisão técnica mais correta deixar esse tema, que é infraconstitucional, de fora da PEC aprovada pela Câmara”, diz Barros, do Demarest. “Essa é uma sinalização que o governo vai analisar o tema, já vinha falando sobre isso e já mostrou que tem capital político para fazer avançar.”
Rosales, da Quality Tax, diz que o desafio do governo será realizar a equalização de quanto reduzir a alíquota do imposto de renda à luz do novo sistema ao taxar dividendos para evitar um aumento de carga tributária desproporcional para as companhias. “Acredito que foi por isso que deixaram o tema de fora da PEC”, afirma. FONTE: VALOR GLOBO
Setor de serviços, transporte aéreo de passageiros e economia digital poderão ter um aumento de carga tributária — Foto: Foto Lucas Tavares / Agência O Globo
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